segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O cidadão usuário da instituição chega aqui na minha sala, olha pra dentro. Dá a volta, continua andando pelo corredor, olha dentro de outra sala. Desaparece do meu campo de visão, volta e recomeça a procura por alguma coisa que eu espero jamais saber o que é.

Como eu sou a única pessoa visível do corredor, é na minha direção que ele vem. Olha pra mim, eu olho pra ele e... nada.

Veja bem, eu uso um fone de ouvido o tempo todo em que estou aqui. Sons saem do fone apenas de vez em quando, na hora em que resolvo escutar alguma música ou ver algum vídeo. Mas o fone está pregado na cabeça o tempo todo. A melhor parte é que pessoas evitam falar comigo, uma vez que pareço concentradíssima o tempo todo. (Tipo agora, que estão falando absurdos a 2 metros da minha pessoa e eu não sou obrigada.)

Eu permaneço olhando pro infeliz e ele olhando pra mim e eu finalmente pergunto se ele quer alguma coisa.

- você consegue me ouvir?

Ai, meu deus. Segura.

- consigo.

- então, tô aqui.

Não é possível.

- eu consigo ver também, mas o que você está procurando?

Ele diz o nome da minha unidade.

- é aqui mesmo, o que você precisa.

- falar com a pessoa X.

- ela não trabalha na segunda à tarde.

- mas ela me mandou um email dizendo que eu podia vir das 13:30 às 16:30.

- você tem certeza de que ela não disse que isso poderia ser na terça ou na quinta, quando ela trabalha à tarde (eu sei, meus amigos. eu sei.)

- não, tá de segunda à sexta.

- então você me diz o que precisa e eu tento te ajudar.

- eu preciso vir aqui.

- você ESTÁ aqui.

- então.

Gente, sério. Eu tenho vontade de rasgar minha roupa e arremessar mobílias, porque não é possível que seja só eu que não consiga entender o que essa pessoa queria.

- tá, mas pra quê você veio aqui? 

- porque a fulana X me mandou um email dizendo que era pra vir.

- então você vai ter que voltar num horário em que ela esteja aqui.

- você não pode resolver??????

- se você me disser o que precisa, eu posso tentar.

E ficou nisso por uns cinco minutos, até que ele resolveu procurar no celular o que dizia o email. Levou mais de 10 minutos em silêncio.

- moça, aqui diz pra eu falar com X, você ou Z.

- falar.o.que.

- que eu me formei e quero buscar meu diploma.

Me pergunto de onde saiu isso, se ele inventou no desespero, se chutou, se foi inspiração sobrenatural.

- então você está no lugar errado, porque aqui nunca na história foi lugar pra buscar diploma.

O rapaz então começa um chilique e eu espero muito que ele queira ofender um funcionário público no exercício da função, que meu dia tá desanimado e vai ser tão legal chamar polícia federal e fazer um bocó baixar a bola, é sempre uma emoção. Mas acho que ele percebe que está andando em terreno perigoso e para o escândalo por alguns segundos. Eu explico calmamente que em nenhum momento ele me disse o que queria ou por que estava na minha sala e ele insiste que recebeu um email meu (não recebeu). Digo que ele tem que ler bem direitinho quem era o remetente e ele fala o nome da pessoa e é mesmo quem não está aqui na segunda à tarde. Explico que não tenho como adivinhar o que ele quer se nem ele mesmo sabe e ele ameaça o chiliquinho de novo. Falo com ele como se ele fosse intelectualmente incapaz (o que acho que não estava muito longe da realidade) e mando ler o email INTEIRO em voz alta, sem pular nenhuma frase. Ele lê. Como eu já imaginava, no corpo do email tinha instruções exatas do que o gênio precisava fazer. Perguntei se ele entendeu o que leu.

- como assim?

- você acabou de ler o que te mandaram fazer aqui. você disse que veio buscar o diploma e você nem concluiu o curso ainda, de acordo com o que está escrito aí. Por que você mentiu? O que achou que ganharia com isso?

O menino quase desmaia.

- o que você precisa é... 

E eu recito pra ele o que ele acabou de ler pra mim.

Se eu tivesse algum poder nesse mundo, essa pessoa seria impedida de exercer a profissão. Não consegue compreender uma instrução simples (mais de 100 antes dele vieram aqui com pouco ou nenhum grau de dificuldade), não consegue preencher o formulário que faz parte do procedimento (que era exatamente o que o idiota tinha que fazer aqui) e ainda precisou ser lembrado que tinha que fazer isso na última semana de prazo, quando o resto todo conseguiu sozinho.

Não devia ser autorizado a andar sozinho na rua com essa capacidade mental toda aí.

(Tava muito calma minha vida, eu deveria saber.)


quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Quando eu cheguei aqui, dez anos atrás, o lugar era uma bagunça. De todas as formas possíveis. Ajudei a arrumar layout das salas, armários, objetos, tudo.

A coisa mais difícil de mudar foi o sistema de arquivo de processos físicos. Era uma gaveta emperrada de um armário de metal que ninguém mais tinha força pra abrir. 

Requisitei um armário com prateleiras - que não veio do jeito que eu pedi, porque no serviço público você se contenta com o que tem e agradece que TEM - e criei um sistema bem simples de organização, que não apenas funciona pro espaço, como funciona pra pesquisa. Caso alguém precise de um processo arquivado, não leva 10 minutos (se a pessoa for muito lenta) pra encontrar.

Fiz, expliquei pra todo mundo, botei em prática, verifico de tempos em tempos se ninguém zoneou nada enquanto eu estive fora. 

Pois existe uma pessoa aqui que não entendeu como funciona o armário e não sou eu que vou gastar meus dias de vida tentando explicar. O problema é que a pessoa se considera chefe da galera. E cada vez que eu tenho que arquivar alguma coisa lá, esse ser humano vem me perguntar se eu lembro qual é o armário de arquivo e como funciona.

Toda.Vez.

- Isso vai pro arquivo. Você lembra como é lá, né? Onde guarda, né? 

Aí um dia eu vou precisar de afastamento por desequilíbrio emocional e vão dizer que eu não tinha motivo.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

O serviço público, pelo menos dos lugares onde eu trabalhei, funciona à base de processos. Se você está se perguntando "uéééé, processos", sim processos administrativos. Igualzinho a qualquer outro processo, tem documentos obrigatórios, caminhos por onde tem que passar, assinaturas, decisões, passagem por um sistema eletrônico e por aí vai. Pra mover uma cadeira de uma sala pra outra precisa de um bendito processo.

Minha vida profissional gira em volta de documentos e processos. Todo mundo que trabalha aqui há mais de meia hora sabe como fazer pra que os processos "andem", tanto fisicamente como eletronicamente. Massss, como estamos cercados por gente inteligente e competente, as duas coisas nunca funcionam juntas. Normalmente o processo está aqui na minha mão e não está no meu sistema ou está no meu sistema, mas está em qualquer outro lugar do universo.

Hoje, o processo estava comigo na vida e não estava no computador. Liguei pra pessoa que esqueceu de mandar pra mim.

- oi, aqui é fulana, da unidade tal, eu preciso que você mande o processo nº xxx pra mim pelo sistema.

- mas onde ele está?

- na minha frente.

- e no sistema?

- bom, se eu liguei pra você mandar pra mim, é de se concluir que esteja com você, não?

- mas está comigo?

Não, tá com o papa. Vou apenas pensando até ter coragem de falar.

- e o que você quer que eu faça com ele?

- que mande pra mim, na unidade tal.

Leva menos de 20 segundos pra realizar esse procedimento, mas eu sempre conto com a lerdeza alheia e fui resolver outro problema que não era meu enquanto isso. Devo ter levado 15 minutos. Voltei e nada de o processo estar comigo. Apertei F5 um milhão de vezes e nada. Desisti e fui fazer outra coisa, quando meu telefone tocou.

- oi, foi você que me pediu um processo?

- eu pedi um (repeti o número pra garantir, né?).

- e pra onde é pra mandar?

MINHA NOSSA SENHORA, ACUDA.

Já faz meia hora que aconteceu o último contato e eu não tenho esperança de ver esse processo no meu sistema hoje.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Algum gênio inventou uma regra uns 3 ou 4 anos atrás que faz com que uma unidade superior fique responsável pelo primeiro contato com pessoas que estejam fazendo um tipo especial de concurso, que é realizado por uma unidade subordinada. Acontece que TUDO é descentralizado e decidido pela unidade subordinada. Todas as provas são elaboradas por eles, realizadas por eles, datas decididas por eles, conteúdo liberado por eles.

Por que raios a inscrição pro concurso não é feita lá, é um mistério pra mim.

Adivinha onde são feitas.

Adivinha quem faz.

Pois a pessoa senta aqui na minha frente e, enquanto eu vou fazendo tudo o que o sistema pede - o que demora um pouco -, eu vou lavando o cérebro da pessoa com a informação de que não é pra mim que se pergunta nada. Eu, literalmente, só faço a inscrição. O que cai na prova? Não sei. Quando é a prova? Não sei. Que dia avisam quando é e o que cai na prova? Não sei. Posso fazer sendo graduado? Não sei. Posso incluir que tenho 8 doutorados? Não sei. Se eu tacar a mãe, quica? Não sei. Não tenho como saber porque quem faz a prova não tem interesse nenhum em divulgar isso para outras unidades, incluindo a minha. 

Vou falando isso e avisando pra pessoa o telefone do lugar pra onde ela tem que ligar, das pessoas com quem ela tem que falar, repito isso sem parar. No fim de tudo, quando eu imprimo o comprovante de inscrição pra pessoa, eu repito mais uma vez e escrevo no papel: INFORMAÇÕES: ramal tal, site tal, contato tal. Sério. Sem brincadeira. E quando a pessoa está saindo eu dou mais uma reforçadinha de que não tem que falar comigo NUNCA MAIS, é tudo nesse outro telefone, nesse site, etc.

Meia hora atrás -  não foi a primeira e não será a última vez, infelizmente - ligou uma filha de chocadeira aqui perguntando o que cai na prova. 

E quando eu disse, provavelmente pela trigésima oitava vez que não era comigo, provavelmente pensou "funcionário público é tudo folgado mesmo". 

Já vão orando aí pra que ela não passe nesse concurso, senão é com esse tipo de gente que os usuários do sistema têm que tratar.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

A pessoa imprime um documento, levanta da sua cadeira, atravessa um corredor e vem até minha mesa pedir pra tirar uma cópia. Reavalio todas as minhas crenças na vida, enquanto me pergunto o motivo de a pessoa não ter imprimido logo duas cópias do documento em vez de se dar ao trabalho de vir aqui me pedir uma cópia. Ou a razão de ela mesma não tirar a bendita cópia. 

Aceito o destino infeliz e vou lá copiar o documento, que ainda está quentinho da impressora, quando noto que ele está GRAMPEADO.

Agora você me responda, por favor. Se a pessoa, que não é capaz de imprimir duas cópias, quer que eu copie um negócio, pra quê raios ele vem grampeado? 

Se eu contar que esse documento vai pra uma pasta depois, em que ele não pode estar grampeado, ajuda?

Olha.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

O moço do malote sai do elevador lá no quinto dos infernos e eu escuto, de tanto pavor. Coisa mais insuportável é ter que separar malote de quinhentas (sem hipérbole, literalmente quinhentas) pessoas. Aí tem aquela pessoa que mandam pra sua sala pra "te ajudar", mas convenientemente desaparece todo dia no horário em que o malote chega. 

Aí eu escuto o moço do malote vindo de carrinho e penso em  me jogar debaixo da mesa pra ver se milagrosamente a pessoa que teria que separar o malote aparece, mas meu senso de responsabilidade fala mais alto e eu vou tal qual uma vaca para o abate receber tudo o que ele trouxe.

Hoje, especificamente, ele trouxe OITO pilhas de documentos.

Nisso, entra na sala aquela véia senhora que trabalha apenas meio período, porque ela é velha idosa e já trabalhou demais na vida e não é obrigada, dizendo aquele bom dia que é mais uma agressão que um desejo retórico, que obviamente não respondo e aparentemente ofendo a pessoa. Adoro véias vovós.

Pois vendo a pilha infinita de documentos, que nesse momento se esparrama pelo balcão e pelo chão, vira a tia e me faz a seguinte pergunta:

- cê consegue ver aí RAPIDINHO o que chegou pra mim?

Consigo, tia. Consigo muito. 

Aí ela vai embora brava, me chamando de incompetente e dizendo que vai poder buscar só amanhã, porque TEM QUE ir embora meio dia, sendo que o ocorrido ocorreu (risos) às dez horas da manhã e eu, trouxa, fico aqui até cinco da tarde.

E assim começa mais uma semana de alegrias no serviço público.

sábado, 6 de setembro de 2014

A sala é minha, sabe? MINHA.

Tá certo que sou obrigada a dividir com outra pessoa, mas é minha, quem manda sou eu. Se quem tem que abrir e fechar sou eu, se quem tem que atender todo mundo sou eu, se ninguém mais atende telefone, se ninguém se responsabiliza por nada, também não tem que encher a minha paciência. 

QUEM MANDA AQUI SOU EU.

O prédio foi construído de forma a ficar numa posição que pegue a luz do sol o dia inteiro. Chego aqui 8h da madrugada e tá batendo sol nas minhas costas, saio 17h com o sol na cara. Não tem parede, só tem janela, então é esse inferno de sol 365 dias no ano, até quando tem nuvem, aqui tá sol. 

A intenção do gênio do projeto era diminuir o consumo de energia elétrica.

Esse gênio não contava com a minha existência cinquenta anos depois, intolerante ao sol. Odeio o calor, odeio a luz, odeio tudo. Fecho as cortinas todas, lacradas.

A vantagem pro universo e desvantagem pra mim é: ainda continua claro pra cacete.

Então a faxineira, que chega uma hora antes de todo mundo, acende a luz porque o sol ainda não nasceu. E deixa acesa quando sai. Eu chego, antes de todo mundo (mas depois da faxineira) e apago as luzes todas. A pessoa que trabalha na sala ao lado, portanto, não influenciada pelas condições climáticas da minha sala, entra aqui e acende a bendita luz de novo. Eu espero que a pessoa saia e apago. Ela volta aqui pra xeretar o que eu estou fazendo, apenas porque não tem mais o que fazer e... ACENDE DE NOVO. Eu apago mais uma vez e assim vamos, duzentas e trinta e sete vezes por dia, um imbecil aleatório acendendo a luz que eu apago porque me incomoda.

E é dos seus bolso aí que tá saindo o dinheiro pra pagar a conta da luz que não tem necessidade de ficar acesa, numa sala cujo DONO nem mesmo quer essa porcaria acesa.


quinta-feira, 4 de setembro de 2014

As pessoas têm uma mania um pouco chata de "segurar trabalho". Se é pra parecer que estão atarefadíssimas ou se é pra ferrar o coleguinha, jamais saberemos.


Outro dia uma pessoa sentou por tanto tempo em cima de um trabalho que esqueceu que tinha prazo. Aí foi até um coleguinha no desespero, ai meu deus, isso aqui é ur-gen-te. O coleguinha em questão ficou #chatiadíssimo e saiu espalhando por todas as salas - inclusive pela minha - um cartaz de papel sulfite com os seguintes dizeres:

URGENTE é tudo aquilo que você não conseguiu fazer em tempo HÁBIL e quer que os outros façam em tempo RECORDE


Assim mesmo, cheio de caixa alta e de negrito.


Hoje entrou aqui na minha sala o dono do cartaz, cinco minutos antes de sair o malote de documentos, dizendo que tinha um documento UR-GEN-TE pra resolver.

Peguei a pastinha que ele deixou na minha mesa e, adivinha, não só não era urgente como dava pra ter trazido antes.

Fiz a cara que eu faço toda vez que quero que pareça que não entendi as dificílimas explicações de como fazer a mesma coisa que eu tenho feito há duzentos anos, o que fez com que a pessoa ficasse parada na minha frente até perder a paciência e voltar correndo quando escutou o suave som que faz o menino que busca o malote pra me apressar.

Devo me considerar um indivíduo superior por não ter descolado o cartazinho estúpido e tacado na cara dele durante esse acontecimento?

Na próxima voa na testa.